Crônica de uma velha árvore

Foi uma competição de ruídos comuns num dia comum: o motor de uma serra elétrica, o ar se deslocando… Então os ruídos do grande tronco e galhos se espatifando no chão – tudo isso sob acompanhamento das vozes (que iam de murmúrios baixos a assobios e gritos) dos transeuntes que paravam para assistir. Essa trilha sonora marcou a queda, em 11 de agosto de 2020, do jequitibá centenário de Ponto Alto – Domingos Martins; símbolo da vila, na história e na cultura.

Uma árvore com dezenas de metros, algumas toneladas e muitos anos de vida veio a baixo, causando certa comoção na população local, até porque ela estava lá bem antes de qualquer um que a viu tombar, antes de seus pais também, avós também… Daí vieram os “mas que dó!” e os “ficou sabendo?” nas conversas de rua, no mercado, nos celulares e até mesmo numa breve manchete do jornal da região das montanhas.

Há muito, na verdade, se sabia que o velho jequitibá não estava muito bem. Em fevereiro de 2020 saíra a notícia no jornal, que citava a suspeita de que estivesse definhando. Desde lá a árvore recebia muitas visitas, muitos tirando fotos ao seu sopé – alguns abraçados – como se fosse um ente querido que adoeceu. Houve suspeita de que alguém o tivesse estiolado: também houve indignação da população; sentiram como se um parente estivesse sendo maltratado. Por fim, quando já não tinha mais vida, teve de ser derrubado: aos olhos de uma plateia de “parentes prestando as últimas homenagens”.

E o porquê disso? O sentido de toda a comoção pela árvore, onde estava? Como eu disse antes, mas desambiguando: não estava nas suas dezenas de metros, toneladas de massa ou tempo de existência. Estava nas gerações das quais ela foi contemporânea, na sua estampa na bandeira de Ponto Alto e no uniforme da escola do bairro. A comoção surgiu da simbologia de pertinência a ela empregada; símbolo de Ponto Alto, de Domingos Martins, do Espírito Santo, da Mata Atlântica. O jequitibá pertence à natureza. O homem também. Um atua sobre o outro, como uma família do homem e a mata – incluindo cada ipê, embaúba, palmeira… e o saudoso jequitibá como um lembrete disso.